"O livro está cheio de cenas obscenas, violentas, vincadamente sexuais. Tal como o génio da garrafa, também elas libertam uma irreprimível vontade de viver que o saber feito de senso comum e ideias preconcebidas não consegue manter aprisionado, exercendo sobre mim um tal poder encantatório que não consigo parar de ler. Comparado com a massa anónima de pessoas que se cruzam sem se conhecer na movimentada estação de combóio, estas estórias escritas há milhares de anos são, pelo menos aos meus olhos, muito mais reais."
"As obras que contém em si uma certa impefeição tornam-se interessantes por essa mesma razão - ou pelo menos, tornam-se interessantes por isso mesmo aos olhos de um certo tipo de pessoas. Tal como aconteceu contigo, que foste atraído por O Mineiro. Esse livro diz-te qualquer coisa, diz-te mais que outros romances sobejamente conseguidos, como é o caso de Kokoro ou Sanshiro. Nessa obra foste ao encontro de algo que mexeu com os teus sentimentos. Ou talvez deva antes dizer que a obra foi ao teu encontro."
"Como a alguém a quem vão faltando as palavras para contar uma história, também o carreiro se vai estreitando à medida que avanço."
"Meu caro Kafka, a maioria das pessoas chega a um ponto na vida em que já não se pode voltar atrás. E, em raríssimos casos, a um ponto em que já não é possível avançar. E quando se chega a esse ponto, não temos outro remédio senão aceitar calmamente o facto consumado. Só assim é que se sobrevive. "
"Já senti na pele todos os tipos de descriminação. (...) Só as pessoas que alguma vez foram vítimas dela é que sabem de facto como isso dói. Cada um sente a dor de maneira diferente, cada um tem as suas próprias feridas. Por isso, preocupo-me tanto com a igualdade e justiça como qualquer outra pessoa. Mas aquilo que mais me desgosta são as que não têm ponta de imaginação. Aqueles a quem T.S.Eliot chama "homens vazios". As almas que preenchem sem piedade a falta de imaginação com pedaços de palha seca, sem terem sequer consciência do que estão a fazer. Pessoas insensíveis, que te lançam à cara palavras vazias de sentido, tentando obrigar-te a fazer o que não queres. Como aquelas duas que acabamos de conhecer. (...) Maricas, lésbicas, heterossexuais, feministas, porcos fascistas, comunistas, seguidores de Hare Krishna - esses não me preocupam. Cada um com a sua bandeira, é-me indiferente. Mas o que não suporto são pessoas ocas. "
"Mas a ironia é o que nos dá profundidade, ajuda-nos a crescer enquanto pessoas. É a porta de entrada para a salvação num plano mais elevado e, como tal, para um lugar onde é possível encontrar a esperança universal. "
"Simbolismo e significado são duas coisas diferentes. Penso que ela encontrou as palavras certas subvertendo processos que se prendam com o significado e a lógica. Apanhou as palavras num sonho, como quem deita delicadamente a mão às asas de uma borboleta que anda por ali a esvoaçar. Os verdadeiros artistas são aqueles que conseguem furtar à tentação da verborreia. "
"Anton Tchekov colocou a questão melhor do que ninguém ao dizer que, se aparece uma pistola numa história, ela acaba por ter de ser disparada. O que Techekov quer dizer é o seguinte: a necessidade em si mesma, um conceito, possui uma estrutura que é diferente da da lógica, da moral ou do significado. A sua função assenta inteiramente no papel que desempenha. Todas as coisas que não desempenham uma função, não têm de existir. O que a necessidade pede tem forçosamente de existir. É aquilo a que se chama dramaturgia. A lógica, a moral ou o significado não são para aqui chamados. Tem tudo que ver com as relações que se estabelecem. "
"Sempre fui um grande adepto dos Chunichi Dragons, pensou ele com os seus botões, mas, vendo bem, que representam eles para mim? Sim, vamos supor que batem os Giants aos pontos. De que maneira isso faz de mim uma pessoa melhor? Como podia ser? Nesse caso, porque passei esse tempo todo numa exaltação pegada, como se a equipa fosse um prolongamento da minha pessoa?"
"Ao escutar o violoncelo fluído e sóbrio de Fournier, Hoshino sentiu-se transportado até à infância. Costumava ir até ao rio apanhar peixe todos os dias. Nessa altura, não tinha de se preocupar com nada. Vivia um dia de cada vez. Só o simples facto de estar vivo, já era qualquer coisa. Era assim que as coisas se passavam, e ainda bem. Mas algures pelo caminho algo tinha começado a mudar. A vida levara-o a transformar-se em nada. Esquisito... As pessoas vêm ao mundo para viver, não é verdade? Mas, no caso dele, quanto mais vivia mais sentia que estava a perder o que tinha dentro de si - até acabar por se tornar vazio. Quase apostava que, quanto mais anos vivesse, mas vazio e destituído de valor corria o risco de se tornar. Nem pensar, passava-se algo de errado com aquele filme. A vida não podia de maneira alguma conhecer tamanha reviravolta dramática! Será que ainda ia a tempo de mudar de rumo, de inverter a marcha dos acontecimentos?"
"Há muitas coisas que não são culpa tua. Nem minha. Nem acontecem por culpa das profecias, das maldições, do ADN, ou do absurdo da vida. Não se pode culpar o estruturalismo nem a Terceira Revolução Industrial por tudo o que de mau existe. Todos nós temos de morrer, mas isso deve-se ao facto de o próprio mecanismo do mundo estar assente na destruição e na perda. As nossas vidas não são mais do que sombras desse princípio norteador. Por exemplo, o vento que sopra. Pode ser um vento forte, violento, ou uma leve brisa. Mas sopre ele como soprar, acaba sempre por desvanecer-se e morrer. Não passa de ar em movimento. Se escutares com atenção, vais ver que entendes a metáfora. "
"Sabes que mais? Se a tua bizarra história chegasse aos ouvidos dos chuis, o que eles fariam logo era descartá-la e, em substituição, engendrar uma confissão decente,uma coisa em que toda a gente acreditasse. Dizendo, por exemplo, que entraras na casa para roubar e que, ouvindo alguém a aproximar-se, foste à cozinha buscar uma faca e esfaqueaste essa pessoa. Eles estão-se marimbando para os factos reais, ou para o que está certo. O que lhes interessa é arranjar quem encaixe no perfil de culpado, a fim de manterem um alto índice de detenções, não vêem mais nada à frente dos olhos. Quando dás por ti, estás numa prisão ou numa instituição psiquiátrica de alta segurança. Prendem-te e deitam fora a chave. Como não tens dinheiro para contratar um advogado daqueles mediáticos, que andam nas bocas do mundo, atiram-se à cara um advogadozeco qualquer, nomeado pelo tribunal, que se está nas tintas para o processo, e é assim que as coisas se passam. "
"'Acredita que a música tem o poder de mudar as pessoas? Que uma pessoa pode ouvir uma certa e determinada peça de música e conhecer uma grande mudança dentro de si?' (...) 'Claro que sim. Passamos por uma experiência, que funciona como uma espécie de reação química, capaz de transformar algo que temos dentro de nós. Quando, mais tarde, refletimos sobre isso, descobrimos que todos os padrões por que nos regemos se alargam mais um furo e que o mundo se abriu diante de nós de forma inesperada. Sim, já passei por isso. Não tantas vezes como isso, mas já me aconteceu. É como estar apaixonado.'"